sábado, 2 de abril de 2016

18 de Fevereiro, do ano que for


-Mainha, Dona Maria tá chamando!
-Avisa a ela que tô tumanu bâim.
Mas não adianta, Dona Maria já emburacou e já espera sentada na cozinha. Já mexe nas panelas, já pega uma cocada e grita que não tem pressa, ali ninguém tem pressa. Se acorda com as galinhas, arruma o menino pra escola, o marido já saiu pra roça e a mulher fica em casa, arrumando a casa e fazendo o almoço
Ah, o almoço... Galinha torrada com feijão verde e arroz da terra. Sim e a farinha! Não se pode esquecer, e suco de manga. Zé chega do trabalho e já grita: “ Bota a cumida na mesa muié, qui tô morrenu de fome.” A comida tá pronta desde às 10 esperando pra ser colocada no prato, da Dona Maria, do Seu zé, dos meninos e das visitas. Sempre cabe mais um, mais dois, mais três. “Bota água no fêjão, Maria, que Zé de Mariinha chegou.”
Aqui, quase todo mundo é Maria, ou José. Maria de Manoel, Maria de Zé da bodega, Maria de Antôin Biluca. Zé de Maria lá de baixo, Zé de Mariinha, e por aí vai... A comida tá na mesa, todo mundo sentado numa só união, não se tem muita frescura, pode pegar o pé da galinha com a mão e ficar com bigode de suco: “Junta o resto pro cachorro!”.
Animal de estimação não falta! Tem cachorro vira-lata que fica esperando um ossinho ser jogado, com uns nomes bem engraçados, Tobi, Leão, Nina, Billy. Também tem um gato que geralmente é chato, não gosta muito de brincadeira: “Num alise não que ele é brabo”. Mas não pode ver a gente quieto que já tá passando por entre as pernas da gente fazendo aquele barulho estranho, como quem quer alguma coisa. Ah, e o papagaio! O papagaio que sempre espera um pedacinho de pão: “Minha rosa... cadê minha rosa?”.
Cachorro, gato, papagaio, tudo em volta ali da mesa: “Êta almoço danado de bom... Tem rapadura tem? Traz aqui”. Até rapadura tem de gosto diferente, tem aquela que é a brejeira, tem as com tempero dentro, tem batida e até colorida! Rosa, amarela, pro gosto do cliente: “Vai levar quantas doutô?” “Só duas, bote uma rosa pra minina!” Mas rapadura boa mesmo é raspada com farinha, ou com fuba, se for das boas, ou senão os pedaços grandes: “Pega ali a pexêra mininu, pra eu tirá um pedaço pra nois tudo”. Depois um copo de água tirada da fôrma, um pote de barro coberto com um paninho pra não entrar bicho: “Num infie a mão no pote não quisso é água de bebê”
Todo mundo de barriga cheia: “Vamo lá pra calçada vê como anda o movimento.” Se pega as cadeiras de balanço, os tamboretes e se senta ali na frente, movimento quase não há, uma moto passa indo pra feira, um menino corre ali na bodega pra comprar dindin: “Num corre, minino que tu se esborracha no chão!” Outros passam de bicicleta com latinhas penduradas na roda que faz a gente escutar o barulho desde lá de cima: “Esses caba safado fica fazendo barui no mêi do mundo!” e é só, não se acontece muitas coisas.
Mas isso é só um pretexto pra tá todo mundo junto, junta as vizinhas pra falar das noticias da cidade: “Mulher, tu visse que a filha de Maria de Antenor casou com um bixotin bem novim?” e os homens pra jogar dominó e falar do time que nunca ganha, nunca entra no campeonato, mas todo ano gera uma esperança que será um ano melhor pra o futebol da cidade: “O fí de seu Raimundo devia ir jogar, aquele mininu joga demais, devia ir pra cidade grande tentar a vida.”.
Aqui na verdade toda família tem um filho que foi tentar a vida na cidade grande: “Wesley foi pra Sum Paulo, tá lá trabaiando no Mercado.” “Vocês viram que filha de Tião voltou do Rio?” e assim a conversa continua, até o final da tarde: “Eita! Quatro horas, vou fazer um cafezin novo pra gente!” Café bom tem que ser bem forte, e bem doce pra não perder o costume, e um pote de biscoito sete capas que só se tem a ilusão que se está comendo, porque ele se esfarela todo no chão e ninguém percebe, só o cachorro que bem rápido já comeu tudo que caiu.
O sol se pôs: “Bora entrar por causa das muriçoca, essas bichas pega deixa um catombo do tamanho do mundo”. Um banho de balde, um roupinha limpa, cheirinho de alfazema comprado na loja: “A janta tá na mesa, vem logo pra não esfriar.” Carne com macaxeira, mais um cafezinho, cama, uma última reza, e assim acaba mais um dia: “Boa noite Maria, faz aquela galinha de novo no almoço, tava boa demais...”.
-Thayanna Cunha